terça-feira, 16 de junho de 2009

Da amizade 1

Sempre pensei que a impermanência passasse longe da amizade.
Que os amigos eram a nossa verdadeira família, a que foi escolhida.
A que viemos, a família de sangue, seriam relações que teriam ficado por resolver, por isso laços tão fortes e indissolúveis.
Os amores seriam, assim como a família de origem, os samskaras que viemos transmutar. Relações não resolvidas, dívidas karmicas mesmo.
Mas amigos não...
Amigos seriam nossos irmãos de alma, nossos parceiros por afinidade sincera e gratuita...
Relações que chegavam como presentes por boas ações que tivéssemos cometido em outras vidas.
Amigos seriam mérito. Família seria missão!
E essa leveza deliciosamente sustentável das amizades seriam eternas...
Para mim, amigo sempre foi mais importante do que amor.
Aos amores, talvez eu entregasse minha voracidade, entregava os sentidos e exigia reciprocidade.
Aos amigos, eu dedicava a alma...
Amigo é relação construída, passo a passo, intimidade conquistada, confiança provada, silêncios e sumiços cordialmente respeitados.
Sabemos que quando um amigo querido some, é porque está bem e apaixonado. E tudo bem. Porque você sabe que dali a pouco ele volta cheio de alegrias e tristezas pra contar. E a gente vai receber com o mesmo carinho de sempre. Mesmo sabendo que assim que a dor passar, ele some de novo...
Faz parte da amizade esta liberdade de ir e vir. Pelo menos, assim eu pensava.
Que implícito na amizade estava um pacto de eternidade...
Perdi uma grande amiga num acidente de carro. Na última vez que nos vimos, ela me disse: a gente se vê quando eu voltar. E ela não voltou. E eu senti a maior dor da minha vida. E não fui me despedir no seu enterro, porque sabia que sua alma não estava mais lá. Apenas o corpo que a hospedava.
Até hoje me culpo, sei que ela teria gostado de saber que eu estava presente na festa que lhe fizeram, mas sei que esta amizade que permaneceu imaculada perdoaria todas as minhas faltas... Porque era amor de raiz, daquele que se realiza na felicidade do outro e que transcende qualquer formalidade.
Mas depois desta perda irreparável, perdi dois amigos que simplesmente não quiseram mais ser meus amigos e fizeram muita falta.
Aceitei, mas nunca compreendi.e a impermanência da vida fez com que o que era desconsolo, virasse resignação, memórias guardadas de um tempo que passou. No entanto, o amor permanece. Porque já sabemos que a vida é rio, tudo está passando o tempo todo e aceitar essa impermanência abre nosso coração para que nos vejamos no outro, estabelecendo assim a empatia e aceitação dos fatos da vida como presentes divinos. Portanto a falta que o amigo nos faz deve ser reconhecida e devemos crescer com essa dor.
Sabemos que rios deságuam no mar e se misturam no vasto oceano de possibilidades do vir a ser.
Então, o amigo que pode estar distante agora, daqui a pouco também chegará no mar e estaremos juntos, seremos o mesmo mar, experimentando formas diferentes de nos relacionar...
“A amizade atinge a sua irradiação total na maturidade da idade e do espírito.”
Montagne

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