segunda-feira, 1 de junho de 2009

A devoção



 A primeira vez que ouvi falar em Amma foi na Índia, por ocasião do seu aniversário de 50 anos. Todos os jornais e revistas anunciavam em manchetes os feitos desta guru que curava com seu abraço. Ao olhar para suas fotos, senti uma energia muito forte, uma vontade de receber um abraço daquela que me pareceu ser pura expressão divina.

No vôo de volta ao Brasil, saí do lugar onde estava sentada para sentar-me em outra fila mais vazia e, portanto, mais confortável. Ao meu lado, sentou-se uma brasileira com quem, após poucos minutos de conversa, tive uma grande identificação. Ela estava voltando do ashram da Amma. Detalhe: eu estava no norte da Índia, gravando um documentário no Himalaia e ela, no estado de Kerala, sul, participando das comemorações. Nosso encontro foi no vôo que partia de Mumbai para o Brasil, via Johannesburgo.

De cara, ela me mostrou uma foto da Amma e fiquei muito tocada. Enquanto ela ia contando da festa, lágrimas vertiam dos meus olhos sem parar. Aliás, durante todo o tempo que passei na Índia, chorava diariamente, emocionada com os pujas e com os ensinamentos dos mestres que entrevistamos. Nunca entendi o porque de tantas lágrimas, apenas respeitei o que sentia e deixei-me tomar pelas emoções. Talvez fosse uma sensação de re-conhecimento; talvez por descobrir novos sentidos para a vida; talvez porque descobri o amor universal, a compaixão.

Enfim, muitas coisas foram transformadas durante aquela viagem.

Passamos a vôo inteiro trocando experiências sobre a Índia, ela me deu fotos, incensos e até um rudraksha abençoado pela Mãe e nos despedimos na chegada ao Brasil, depois de termos trocado e-mails.

Dias depois, ela me convidou para um satsang que os devotos da Amma realizam todos os sábados. Apesar de ser o primeiro contato, senti-me acolhida por uma família espiritual. Meditamos, cantamos mantras e na hora do arati, eles me colocaram para segurar o fogo sagrado. Mais uma vez, senti lágrimas desabarem dos meus olhos como cachoeira...

Era como se naquele momento, ela estivesse ao nosso lado, e o amor tomasse conta de todas as esferas, de todas as pessoas, como se eu fosse derreter de tanto amor. Um estado de plenitude que eu queria conservar para sempre e levar a todos os lugares que fosse.

Desde então, passei a ter uma foto da Amma no meu altar e fazer, todas as manhãs, a meditação ensinada por ela aos seus devotos. Carregava sua foto na carteira e sempre que tinha alguma dificuldade, fechava os olhos e imaginava que estava recebendo seu abraço, como um filho deitado no colo de sua mãe para buscar conforto.

 

Em julho de 2005, meu pai sofreu um sério acidente de carro. Além de fraturar a tíbia, quebrou doze costelas e teve o pulmão perfurado. Diagnóstico: embolia pulmonar seguida de infecção hospitalar. Ficou duas semanas em coma na UTI de um hospital em Brasília, onde ele mora com a esposa e meus dois meio-irmãos. Um deles estava junto no acidente e dormia no banco do passageiro. Tenho certeza que meu pai quebrou as costelas usando toda a força que tinha para proteger meu irmão e esquecendo de se proteger. Amor de pai, instinto.

Meu irmão sofreu algumas escoriações e foi logo liberado. Maior que tudo foi o trauma de ver seu pai preso nas ferragens de um carro que teve perda total.

Fiquei monitorando tudo daqui, decidida a não sair de casa, não parar de rezar enquanto meu pai não melhorasse.

Quando a infecção tomou conta, fui chamada a Brasília para me despedir do meu pai. Foi quando, desesperada, rezei a Amma para que fosse até lá, para que pegasse meu pai pelos braços e o curasse, para que acabasse com o sofrimento dele, para que o guiasse, se fosse o caso de ele deixar este corpo. Senti a força da fé quando entreguei a vida de meu pai a Deus, e senti verdadeiramente que aceitaria qual fosse a sua vontade. Eu me rendi. Deixei o apego de lado e pedi para que fosse feito o melhor para ele. Que eu aceitaria a sua partida com respeito e devoção. Que eu seria forte, pois sabia que esta vida é uma passagem mesmo, nosso corpo é apenas um envoltório, mas o Ser é imortal, Ele sempre vai existir.

“ O Ser não nasce nem morre. Nem pode deixar de existir. Inato, imortal, sem princípio nem fim, não perece quando morre o corpo. Tudo que nasce tem infalivelmente que morrer, tudo que morre tem que renascer. Não há como evitar.” Palavras do Bhagavad Gita que me aqueceram a alma e me deram coragem para enfrentar o vôo até Brasília e a UTI .

No caminho, tomei a decisão de não chorar, precisava ser forte para cuidar dos meus irmãos e da esposa do meu pai, que estavam desesperados.

Quando pisei naquele hospital senti uma força tamanha que sabia que ele ia ficar bem. Fui para tirá-lo de lá. Entrei na UTI pisando forte, meu pai disse que eu parecia um cavaleiro medieval, armado até os dentes, pronto para defender seu feudo.

Não sei o que me deu, mas ver quem sempre tive como um super herói, infalível em sua força, deitado numa maca e ligado a tantos aparelhos que não havia uma veia, um pedaço dele que não estivesse funcionando artificialmente... foi uma das visões mais tristes que tive.

No entanto, a fé e o amor, faziam com que toda aquela agonia sumisse, e aquele horrível leito de hospital se transformasse em um campo de batalha da vida contra a morte, onde nós dois, armas na mão, força e coragem iríamos vencer juntos.

Choramos sem chorar, e eu disse a ele que tinha mandado uma santa vir em seu auxílio e ele prontamente me descreveu a Amma. Falou de seu sorriso, de suas vestes brancas, de seu abraço de mãe. Muito confiante, despedi-me do meu pai e na hora marcada, fui ao encontro do médico.

Muito surpreso, o médico que havia me chamado para ver meu pai pela última vez, disse que seu estado havia se alterado quase que por milagre e que, desobedecendo as regras do hospital, ia transferi-lo para um quarto naquele mesmo sábado à tarde.Não havia mais sentido ele ficar na UTI.

De volta ao quarto e à vida, meu pai teve uma recuperação assustadora para os padrões clínicos. Em uma semana, teve alta e voltou para casa, depois de fazer uma cirurgia na tíbia onde teve que colocar cinco pinos. Os médicos falaram que eram grandes as chances de ele ficar mancando, devido a sua idade, 65 anos.

Três meses depois, ele já caminhava sem muletas e depois de uns seis meses, já jogava futebol com meus irmãos. Nenhuma seqüela.

Os médicos disseram que ele deveria se batizar novamente com o nome de Renato, renascido. Para a ciência, o que aconteceu foi inexplicável.

Para nós, a certeza de que ele foi salvo pelo amor e pela fé.

Desde então, carregamos todos uma foto da Amma na carteira e é com ela que contamos nos momentos em que precisamos de ajuda e proteção.

Namaste...

 


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