segunda-feira, 1 de junho de 2009

O ego e os asanas


 

Foi preciso que eu pegasse uma conjuntivite que me obrigou a parar temporariamente com os asanas para eu aprofundar a minha prática de meditação...

Praticar ashtanga é paradoxal. Ao mesmo tempo que fortalece o corpo, e consequentemente o ego, ela também te coloca no devido lugar quando o ego começa a soltar suas asinhas.

Afinal, praticamos yoga para dominar este pequeno monstro que habita em todos nós. Mais um paradoxo: é pequeno e é monstro... Pequeno, se pensarmos na imensidão do Ser, e monstro porque exerce um poder imensurável em nossas vidas.

É preciso tomar muito cuidado para a prática de ashtanga não virar “ashtego”.

Ela parece ter sido sistematizada para nos testar.Quem pratica seriamente, seis dias por semana, inevitavelmente fica com um corpo forte, saudável e vigoroso.

Mas se este for o fim e não um meio para se chegar num outro patamar, invariavelmente a gente acaba se machucando, porque vai querer fazer asanas cada vez mais complicados, porque o ego quer sempre mais...

Praticamos asanas para atingirmos o estado de meditação.

Na Índia, muitos praticantes já nem precisam de asanas.

Na sua cultura, as pessoas tem o costume de sentar no chão e não em cadeiras. Qualquer um senta em padmasana.

No ocidente, crescemos em cadeiras, não temos o corpo preparado para meditar. Precisamos de asanas.

É uma prática sedutora, que nos instiga a buscar a perfeição e a harmonia e nos desafia, por conter séries com graus de dificuldade diversos. Portanto, é preciso esforço e perseverança para avançar nas séries. Penso que para pessoas ativas e com dificuldade de manter a concentração e disciplina, pode ser uma prática indicada. Tenho amigos que não se interessam pelo lado filosófico ou espiritual do yoga e praticam ashtanga todos os dias da semana. Gostam do fato de ser uma prática vigorosa e que produz bem estar e emagrece. E só. Pelo menos, é um começo, penso. Com o tempo, a pessoa verá que está desperdiçando o melhor que o yoga pode oferecer, que é o auto conhecimento. Que o bem estar é só o começo de um caminho sem volta. E o contato com os professores e mestres abrirão as portas para esta viagem.

Mas descubro que muitas vezes a prática de ashtanga acentua o narcisismo e torna-se um fim em si mesmo. Descontextualizamos sua origem, criamos métodos, enfeitamos com luzes, música e figurinos e o que deveria ser uma prática meditativa vira show de talentos. O bom ashtangi passa a ser o bom “assaneiro”.

Falo com conhecimento de causa porque isso aconteceu comigo.

Deslumbrei-me com a prática e desrespeitei meu corpo a ponto de pegar uma conjuntivite que me proibiu por duas semanas de fazer qualquer postura em que minha cabeça ficasse abaixo do coração.

Tive que interromper a prática.

Descobri que tinha medo de meditar!!! Tinha me acostumado a fazer um mantra no começo, meditar em movimento, respirar nos asanas e finalizar com mais um mantra.

Quando me peguei impossibilitada de sair de casa, resolvi encarar: meu corpo me dizia que precisava descansar. Não tinha como fugir da meditação.

YOGAS CHITTA VRTTI NIRODHAH.

Fechei os olhos e esperei... Vontade de me mexer, de cantar, de me alongar, de rezar, todos os pensamentos do mundo reunidos numa só mente. Fiz pranayamas, visualizações, usei todos os vrittis que conhecia para acalmar os vrttis de minha chitta...

Decidi só levantar quando acalmasse meu vrttis. Surgiu mais um: a dor nas costas. Cedi, levantei frustrada, mas com a sensação de ter tentado. Descobri que meditar exige tanta disciplina quanto praticar asanas, ou quanto qualquer coisa que se quer fazer bem. Requer dedicação. No dia seguinte, tentei de novo, no outro também, e a cada dia sentia que o esforço trazia resultados.

Um dia, quando menos esperava, senti que tudo se encaixava, que eu me sentia plena, que naquele momento, não havia nada mais que eu desejasse, que eu poderia até morrer fisicamente porque tudo estava em paz.

Não sei quanto tempo durou, sei que voltei atraída por um som qualquer. Nem que tenha sido apenas um segundo, foi um dos mais intensos de toda minha vida. O vazio fez um eco no meu coração.

Talvez isto seja “chitta vrtti nirodhah”...

Totalmente recuperada dos olhos, voltei a minha prática diária de ashtanga. No entanto, de uma forma diferente. Mais generosa e tolerante com meus limites e, principalmente, com os limites dos outros.

Precisei ficar doente dos olhos para conseguir enxergar com a alma...

Namaste...

 

 

 

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